quarta-feira, 29 de novembro de 2017

Medo, violência e eleições 2018

 
Tendência mundial, o avanço do conservadorismo percebido nas eleições estadunidenses e de países europeus e latino-americanos também se reflete no Brasil. A menos de um ano para as eleições gerais de 2018 o Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) realizou, em parceria com o Instituto Datafolha, o estudo  "Medo da Violência e Autoritarismo no Brasil" para medir o Índice de Propensão ao apoio a Posições Autoritárias, método que mede a tendência da sociedade em apoiar esse tipo de ideias.
O estudo, publicado no início de outubro deste ano e que busca suscitar discussões, reflexões e, em especial, jogar luz à forma como administramos conflitos sociais e estruturamos as respostas públicas frente ao crime, à violência e à garantia de direitos do país, revela que em uma escala de zero a dez, a sociedade brasileira atinge o índice de 8,1 na propensão a endossar posições autoritárias. O índice fica em 7,88 para quem tem menos medo da violência e sobe para 8,24 entre os que têm mais medo.

Surfando nesse medo sentido pela população, políticos como o deputado federal e militar aposentado Jair Bolsonaro (PSC-RJ) se projetam como solução à crise de segurança vivida pelo país, além de se apresentarem como alternativa a uma classe política rejeitada pela povo e marcada por corrupção. Para isso, o programa defendido pelo parlamentar, pré-candidato à Presidência da República, tem suas bases numa visão conservadora de mundo, que criminaliza movimentos sociais e defende a volta da ditadura militar.
Para enfrentar os desafios advindos da segurança pública no Brasil, Bolsonaro tem defendido maior repressão, redução da maioridade penal, armamento civil e o endurecimento de penas para criminosos. Com um discurso evocando o medo, o deputado alcança diversas pessoas que se veem representadas em suas atitudes e palavras.
Pedro Moura, sociólogo, afirma que a fórmula de Bolsonaro já não serve para enfrentar os desafios impostos pela segurança pública. “A questão da segurança é um tema que não se resolve olhando a segurança como apenas um espaço de repressão policial, esse tipo de medidas está comprovadamente fadado ao fracasso em todo o mundo”, comenta.


Violência no centro do debate


Criado em 2007 pelo ex-governador Eduardo Campos (PSB), o Pacto pela Vida (PPV) nasceu como promessa para restabelecer a segurança aos pernambucanos. Hoje, o programa parece não fazer mais a diferença no combate à violência em Pernambuco. O estado, considerado o quarto mais perigoso do Brasil, assiste, ano após ano, o crescimento dos índices de criminalidade. Assaltos a ônibus, estupros e crimes ligados ao tráfico de drogas se alastram por todo lado. Dessa forma, a violência tornou-se o principal tema das discussões sobre o futuro político pernambucano e um obstáculo capaz de prejudicar os planos de reeleição do governador Paulo Câmara (PSB).
Sem expectativa de uma solução institucional contra o crime, aumenta o potencial para ecoar discursos mais ou menos messiânicos. Em Pernambuco, os senadores Armando Monteiro (PTB) e Fernando Bezerra (PMDB) parecem ver minguar  suas chances de vitória por estarem associados ao governo Temer. O ex-prefeito de Jaboatão dos Guararapes, Elias Gomes (PSDB), tende a ter sua candidatura barrada pela cúpula tucana, que não tem interesse em ir para o pleito com Gomes na chapa majoritária.
Nesse cenário, apenas as candidaturas dos vereadores do Recife Ivan Moraes (PSOL) e Marília Arraes (PT) têm viabilidade. Os partidos dos parlamentares já aprovaram indicativo para candidatura própria ao Palácio do Campo das Princesas, sede do poder executivo estadual. Apesar do desgaste da esquerda como um todo, os vereadores já imprimiram um discurso no combate à violência e têm se firmado como oposição aos governos do PSB, tanto no estado, quanto na capital.
Nacionalmente, a violência parece ter menos força, porém o suficiente para projetar candidatos com perfis mais à direita no espectro político e militaristas, como o já mencionado Jair Bolsonaro (PSC). A despeito da falta de estrutura partidária forte, o deputado - prestes a trocar o seu atual partido pelo PEN - tem ganhado admiradores por onde passa. Na última pesquisa CUT/Vox Populi, o parlamentar marcava 16% das intenções de voto, alcançando o segundo lugar, ficando atrás apenas do ex-presidente Lula (PT).
Menos radical que Bolsonaro, João Dória (PSDB), prefeito de São Paulo, tido por alguns cientistas políticos como centro-direita, pode agradar aos eleitores brasileiros por, em tese, representar o novo, além de ter a capacidade de agregar o discurso de Bolsonaro à sua campanha. O maior problema do prefeito paulistano é o seu padrinho político, Geraldo Alckmin (PSDB). Governador de São Paulo, Alckmin tem em seu favor a redução dos índices de violência no estado, diferente de Dória.
Pouco conhecido da maioria dos brasileiros, o senador Álvaro Dias (PODE-PR) defende o endurecimento das penas para menores infratores como solução para o problema da criminalidade vivido pelo país. Dessa forma, o parlamentar espera conquistar eleitores pelo Brasil.
Para o sociólogo Pedro Moura, o surgimento seguido pelo fortalecimento de figuras conservadoras reflete uma realidade incômoda para a democracia brasileira e não se deve a uma causa única, pois passa por problemas de ordem política e jurídica. “A Operação Lava Jato tem papel importante nesse cenário, primeiro porque gerou a justificada perda de legitimidade da nossa democracia representativa e do dito presidencialismo de coalisão, segundo por que acabou por transparecer a desconexão do congresso nacional com as aspirações da base social brasileira, criando uma separação”, disse.
Nesse vácuo, afirma Moura, “foi criado um ambiente de emergência de atores políticos sem protagonismo, que embora sempre estivessem na estrutura parlamentar que ruiu aos olhos da sociedade brasileira, construíram sua trajetória à margem dos grandes debates nacionais, como no caso de Bolsonaro.”
O enfraquecimento das forças de esquerda no país, bem como a ausência de novas lideranças nesse campo, de acordo com Pedro Moura, fez com que os eleitores buscassem nos candidatos da direita com seus discursos salvacionistas uma saída para os problemas da nação, como a grave crise que acomete o setor da segurança pública no Brasil. “A ascensão da direita, sobretudo, brasileira passa também pelo aprofundamento da fragmentação do campo progressista, ocasionados pelas sucessivas derrotas políticas que vem enfrentando desde a difícil eleição de Dilma Rousseff em 2014, culminando com o golpe institucional em agosto de 2016. Na esquerda ainda pela falta novas lideranças políticas com inserção nacional, que sejam capazes de apresentar um projeto de nação inovador e que consiga dialogar com as novas tendências e novas pautas que a sociedade brasileira tem, timidamente, imposto”, afirma.


Soluções para enfrentar a violência


Como revelado pelo estudo do FBSP, há uma tendência entre os brasileiros em apoiar posições autoritárias como forma de enfrentar a criminalidade. De acordo com o Índice de Propensão ao apoio a Posições Autoritárias, questões relacionadas à segurança individual revelam posições conservadoras de boa parte da população brasileira. Ao serem questionados sobre a pena de morte em caso de crimes graves, metade dos entrevistados se declarou a favor da pena capital.


Quando indagados acerca do direito à posse de arma para defesa própria, o grupo acredita que o cidadão armado não representa um perigo às outras pessoas.


Em contrapartida às medidas defendidas por considerável parte dos brasileiros, iniciativas no Brasil e no mundo mostram que é possível combater a violência promovendo a cidadania.
Aqui na América do Sul, experiências de duas cidades chamam a atenção: Bogotá, capital da Colômbia, e Recife, no Brasil. No começo dos anos 1990, era impossível se falar na Colômbia e não associar o país à violência e ao narcotráfico. Naqueles anos, a taxa de homicídios em sua capital era de 80 para cada grupo de 100 mil habitantes. Hoje, as estatísticas apontam para uma drástica redução desses números: 18 assassinatos para cada 100 mil pessoas. Essa conquista é fruto do trabalho do sociólogo Hugo Acero, que esteve por 8 anos à frente da Subsecretaria de Segurança e Convivência bogotana.
Em 1997, quando assumiu a pasta, Acero implementou um arrojado programa de segurança pública, que culminou na demissão de 40% do efetivo policial da cidade, acusado de corrupção, no desarmamento e encarceramento dos paramilitares (grupos de extrema-direita violentos, responsáveis pela maior parte da violação dos direitos humanos na Colômbia), na construção de presídios de segurança máxima, no endurecimento das leis contra criminosos, além da parte mais importante do programa, a recuperação e instalações de novos equipamentos públicos, como praças, parques, e bibliotecas, unida a nova diretrizes para a educação básica e fundamental, que levava em consideração uma cultura de paz para Bogotá.

Hugo Acero, ex-subsecretário de segurança e convivência de Bogotá. (Foto: Newman Homrich)

Para Hugo Acero, só a integração entre políticas de prevenção e uso da força policial podem resolver o problema da violência. As facetas dissociadas não surtirão os efeitos necessários. Para tanto, o poder municipal deve atuar, pois está mais próximo do cidadão. “Prefeitos, representantes dos cidadãos dos municípios, devem liderar e coordenar as instituições de segurança com um trabalho em equipe, justiça social e desenvolvimento para melhorar a segurança dos cidadãos”, afirma o colombiano à Revista Mensch.


O exemplo está bem próximo


Seguindo a mesma linha de Bogotá, o Recife implantou Centro Comunitário da Paz (Compaz), um espaço que deve oferecer atividades de esportes e lazer, biblioteca, laboratório de informática, cineteatro, centro de capacitação profissional e núcleo de mediação de conflitos. Promessa de campanha do prefeito Geraldo Julio (PSB), em 2012, a “fábrica de cidadania”, como chama a gestão, só foi entregue em março de 2016.
A unidade construída na comunidade do Alto Santa Terezinha, zona norte da cidade, foi batizada de Governador Eduardo Campos e foi a primeira do município. Segundo a Prefeitura, 48 mil pessoas estão cadastradas para os oito tipos de serviços oferecidos (entre atividades artísticas, esportes, biblioteca e capacitação profissional) por este Compaz. Hoje, Recife conta com mais um Compaz, o Ariano Suassuna, localizado no bairro do Cordeiro, e ainda espera a construção de mais 3, na Joana Bezerra, Ibura e Totó.

Compaz Governador Eduardo Campos, no Alto Santa Terezinha.(Foto: Andréa Rêgo Barros/PCR)


De acordo com Raphael de Castro, coordenador das Bibliotecas pela Paz do Compaz, o equipamento serve como combate à violência. “O Compaz é um instrumento de prevenção como forma de combater a violência e promover a paz”, disse. As ações realizadas nos Compaz, localizados em áreas de vulnerabilidade social do Recife, foram pensadas para minimizar os efeitos da violência nas comunidades beneficiadas. No caso da unidade do Alto Santa Terezinha, a área de abrangência do equipamento compreende bairros como Arruda, Porto da Madeira, Beberibe, Dois Unidos, Campina do Barreto, Campo Grande, Encruzilhada, Hipódromo, Água Fria, Bomba do Hemetério, Cajueiro, Fundão, Ponto de Parada, Rosarinho, Torreão e Linha do Tiro.
Para Murilo Cavalcanti, secretário de Segurança Urbana do Recife, em pouco mais de um ano em funcionamento o Compaz Governador Eduardo Campos, é possível perceber a melhoria da qualidade de vida dos moradores da região. “Dos 94 bairros do Recife, aproximadamente 15 concentram 50% dos homicídios na cidade, e essa área era uma das mais violentas da cidade. Dados das polícias militar e civil nos mostram que as ocorrências diminuíram, sim, nesse um ano e oito meses de funcionamento do Compaz”, afirma.
Apesar dos satisfatórios resultados obtidos após a instalação do Compaz, Cavalcanti ressalta que ainda é preciso avançar, pois a criação de uma cultura de paz não nasce de imediato. “O mais importante é o trabalho na criação de uma cultura de não-violência, e isso demanda um razoável tempo”, disse.

Num país campeão em número absoluto de homicídios no mundo, com 60 mil mortes por ano, segundo a plataforma de dados do Instituto Igarapé, uma ONG com sede no Rio de Janeiro, a violência continuará, infelizmente, fazendo parte do cotidiano dos brasileiros e sendo uma pedra no sapato dos governantes até que eles tomem a consciência de que a repressão simplesmente não resolve. Nas eleições do ano que vem, é preciso fazer um debate que repense o modelo de segurança pública que temos, buscando investir na humanização das polícias, principalmente, a militar e integrar ações de coerção às de prevenção. Apresentar um programa de governo que priorize a segurança cidadão não deve ser uma tarefa simples para os candidatos em 2018, mas é necessário. É como diz o ditado: é melhor prevenir do que remediar.



Esta reportagem é a atividade final da disciplina Redação Jornalística 1, do curso de Jornalismo da UFPE. O texto é do autor do blog sob a orientação da professora Adriana Santana.

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