Eu estava no
primário, estudava no Colégio Barão de Souza Leão, conhecida escola do meu
bairro, ia de casa para escola de condução (transporte escolar). Havia um amigo,
meu melhor amigo de infância, que saía de casa no mesmo horário pra irmos ao
mesmo colégio na mesma condução. Eu sempre sentava ao seu lado na condução,
lembro de sua mochila cheia de adesivos (caindo) do Corinthians e do seu
aparelho ortodôntico, que todo mês mudava de cor. Demorei pra puxar a primeira
conversa, mas depois da nossa primeira conversa, viramos melhores amigos
(kkkkk), foi meio que instantâneo. Ele era meu relógio que indicava que a
condução havia chegado (kkkkk). Não estudávamos na mesma turma, ele estudava
num ano a frente do meu.
João Lucas, como se
chamava, quase não falava na hora do recreio, na verdade que não dava muito
espaço pra ele falar, eu falava que só (kkkkkkk). João Lucas e eu não curtíamos
muito ficar junto da galera no recreio. Preferíamos os lanches, risos e
conversas aos gritos daquelas crianças e ao “polícia e ladrão”, brincadeira de
todos os dias. João Lucas era meio índio — ele era descendente de índio — baixinho
e gordinho. Não gostava de incomodar, nem de ser visto, notado. Não queria se
apegar nem “ser apegado” — eu já tinha quebrado esse desejo dele. Parecia que
ele sabia qual seria seu destino, como se lhe fosse dada uma profecia.
Ele faleceu de
leucemia (descobri hoje), mas nunca ninguém havia me dito a verdade. A estória
que me contaram foi que, por erro médico, ele morreu na mesa de cirurgia. Eu
sempre achei que crianças não morriam, mas só idosos. João Lucas veio e quebrou
minha ingenuidade, tornando-se a primeira criança que, digamos, testemunhei a
morte.
Foi tão rápido,
ficou de atestado por uma semana para cuidar da saúde, ele reclamava de muitas
dores na cabeça... O atestado foi prorrogado, dessa vez pra sempre...
Levei um baque, dos
piores... A vida me mostrou muito cedo o que é perder alguém...
Lembro como se
estivesse acontecendo hoje, fui ao colégio pelo simples motivo de que não
queria ficar em casa... Ao chegar lá, o assunto no corredor não era outro,
todos falavam de João Lucas e, quando eu passava, me olhavam com olhar de pena.
Foi terrível, não consegui ficar na escola, fui à coordenação e pedi pra voltar
pra casa, ligaram pro meu pai, que foi me buscar.
Não fui ao velório
de João Lucas, meus pais não deixaram; fiquei em casa, durante toda a tarde,
procurando compreender como alguém tão jovem poderia morrer. Minha cabeça cheia
de perguntas, que eram feitas ao meu pai, que só me respondeu: “é a vida, meu
amor.”
João Lucas foi embora,
mas eu esperava que ele pudesse voltar como nos desenhos animados que ninguém
nunca morre. Achava que ele chegaria, no fim da tarde, na minha casa. Mas
nenhum dos meus desejos se realizou.
Depois da morte de João Lucas, nunca mais cheguei no horário certo pra
pegar a condução. Fiquei uma vida atrasado.
(Achei que já tinha superado isso, até que hoje me contaram a verdade da
causa da sua morte.)
Doe medula óssea!
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